Doutor, posso continuar a tomar diariamente minha taça de vinho?

São muitos os estudos que apontam que o consumo leve a moderado de álcool pode promover menor risco de algumas doenças. Entretanto, devemos evitar pensar no álcool como um elemento promotor de saúde da população, já que muitas pessoas atravessam a barreira entre o consumo moderado e o consumo exagerado.


No consultório médico, uma senhora que precisa de medicações para controlar sua pressão arterial encerra sua consulta perguntando se ela pode manter o seu hábito de tomar uma taça de vinho por dia. O doutor lhe responde que não só pode como deve – “Minha cara, temos acompanhado nos últimos anos uma série de estudos que demonstram que o consumo moderado de álcool reduz o risco de doenças cardiovasculares, incluindo o infarto do coração e o derrame cerebral. Isso significa que quem bebe pouco tem menos eventos cardiovasculares do que aqueles que não bebem. Já o consumo exagerado de álcool provoca um maior risco de doenças cardiovasculares. Veja bem, devemos entender consumo moderado como até duas doses de bebida por dia para homens e uma dose para mulheres. As pesquisas ainda apontam que esse efeito protetor do consumo diário e moderado deixa de existir quando a pessoa exagera na dose, mesmo que seja por apenas um dia no mês”.

Essa mesma senhora ouvirá dos médicos que sua taça de vinho é capaz de reduzir seu risco de doença de Alzheimer e outros tipos de demência. Ouvirá também que já existem estudos que demonstram que o seu hábito também está associado a um envelhecimento com maior nível de independência física e maior longevidade. As bebidas alcoólicas de uma forma geral promovem esses efeitos positivos, mas o vinho tinto parece ser levemente superior, pois além do álcool, ele possui outras substâncias protetoras como os flavonoides, incluindo o resveratrol.

Esse discurso ainda é controverso, especialmente quando se pensa no cérebro. Algumas pesquisas realmente mostram que o uso moderado de álcool reduz o risco das doenças citadas acima, enquanto outras apontam na direção contrária. Uma pesquisa recém-publicada pelo prestigiado periódico JAMA mostrou que o consumo leve a moderado promoveu um efeito protetor das funções cognitivas entre adultos de meia idade e idosos (média de 61 anos de idade). Porém outro grande  estudo publicado pelo British Medical Journal, evidenciou que o consumo moderado afeta negativamente a estrutura cerebral assim como as funções cognitivas. O consumo leve não atrapalhou o cérebro, mas também não trouxe benefícios. O que é consumo leve? Duas cervejas ou 2-3 taças de vinho por semana.  

À luz do conhecimento atual, recomenda-se que os médicos não indiquem o uso de álcool como se fosse um suplemento alimentar para prevenir doenças. Devem recomendar às pessoas que não bebem que continuem sem beber, e às pessoas que já têm o hábito de beber, que não ultrapassem os limites. Mas isso também está mudando, já que estudos recentes têm demonstrado que o consumo regular de álcool, mesmo em doses leves a moderadas, está associado a um maior risco de diferentes tipos de câncer, como o de mama, orofaringe e esôfago. Por essa razão, em 2009 o Instituto Nacional do Câncer da França deu início a uma campanha chamada Álcool Zero, defendendo a ideia de que mesmo uma dose diária não é segura.

Devemos evitar em pensar no álcool como um elemento promotor de saúde da população, não só pelo aumento do risco de câncer, mas também porque muitas pessoas atravessam a barreira entre o consumo moderado e o consumo exagerado. Esse consumo exagerado é responsável por uma em cada 25 mortes no mundo, e como se não bastasse as mais de duzentas doenças secundárias ao álcool, ainda temos os enormes problemas sociais que estão associados ao seu consumo.

Confira o áudio da coluna Cuca Legal, uma parceria do ICB com a Rádio CBN Brasília:

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