O que faz uma pessoa desmaiar?


Estima-se que uma em cada duas pessoas apresentará pelo menos um episódio de perda de consciência ao longo da vida. Um colapso da circulação sanguínea do cérebro é o que explica a perda de consciência em grande parte dos casos e essa condição clínica é chamada de síncope. Quatro ou cinco segundos de fluxo sanguíneo cerebral de menor pressão são suficientes para levar à perda de consciência.

São várias as causas de síncope, mas a mais comum é chamada de síncope vasovagal. Ela acontece por um controle ineficiente do ritmo cardíaco e/ou do calibre dos vasos sanguíneos por parte do sistema nervoso em situações específicas como a posição em pé por tempo prolongado. Um quarto da população apresentará pelo menos um episódio deste tipo de síncope durante a vida e o componente genético dessa condição é inquestionável.

Os gatilhos mais comuns que provocam episódios de síncope são o estresse, tempo em pé ou sentado prolongado ou a visualização de sangue.

Desmaiar ao ver sangue não é frescura.  

O fato de desmaiar ao ver sangue revela, na verdade, uma estratégia de sobrevivência, um mecanismo de adaptação da espécie ao longo da evolução. Essa estratégia é orquestrada pelo nosso sistema nervoso automático, também conhecido por autônomo, que é formado pelos sistemas simpático e parassimpático.

Na síncope vasovagal, o sistema parassimpático é ativado de forma intensa estimulando sua principal “ferramenta de trabalho”: o nervo vago. Isso provoca dilatação dos vasos e redução do batimento cardíaco, o que diminui o fluxo de sangue para os órgãos, incluindo o cérebro.

Estudos experimentais indicam que uma região do tronco cerebral (medula caudal da linha média) é a responsável pela estimulação do nervo vago durante um episódio de síncope vasovagal.  Quando um animal perde de 30% a 40% do volume de sangue e a pressão do sangue na região do tórax cai rapidamente, sensores de pressão localizados nas artérias informam essa queda ao tronco cerebral que estimula o nervo vago que provocará o colapso circulatório. Esse colapso é útil numa situação de hemorragia, pois o sangue em pressões mais baixas, o processo de coagulação para estancar o sangramento torna-se mais eficaz. Esse sistema não é tão bem afinado, já que algumas pessoas têm esse mecanismo deflagrado mesmo numa situação de olhar para o sangue dos outros.

Vida social deve fazer parte da prescrição médica


A solidão aumenta o risco de demência, doenças cardiovasculares, sono de má qualidade, deficiência imunológica, depressão e ainda faz a pessoa morrer mais cedo. Será que esses efeitos da vida solitária podem ser explicados pela ausência de “cães de guarda”, pessoas que estimulam bons hábitos e reprimem maus hábitos? Pode até ser, mas parece que existem outras explicações.

Temos evidências que a solidão é capaz de mudar percepção, os pensamentos, a química e a estrutura do cérebro.  Os solitários são mais sensíveis a experiências ruins como quando são apresentados a imagens de pessoas com expressão facial de dor. Exames de ressonância magnética funcional demonstram que o isolamento social faz com que as áreas do sistema de recompensa cerebral sejam menos ativadas quando provocadas com estímulos sociais o que explica a menor empolgação por um hipotético encontro.

Pesquisas com ratinhos mostram que o isolamento reduz hormônios cerebrais que modulam a agressividade e diminui também o processo de mielinização que é fundamental para a plasticidade cerebral. Influencia ainda a expressão de genes ligados a comportamentos ansiosos.  Ratinhos que crescem solitários tem uma inibição no crescimento de novos neurônios em áreas associadas à comunicação e memória.  Em um modelo de derrame cerebral provocado intencionalmente, os ratinhos solitários morrem mais do que os que cresceram com os companheirinhos.

Os médicos costumam lembrar seus pacientes de qualidade de sono, dieta e atividade física. Por que não incluir nesse roteiro uma “prescrição social”?

Particularidades da enxaqueca na mulher


A enxaqueca, também conhecida como migrânea, é uma disfunção cerebral com reconhecido componente genético. Indivíduos que têm familiares com enxaqueca têm mais chance de apresentá-la, mas nem sempre. As crises de enxaqueca podem se iniciar já na infância, mas é mais frequente entre os 25 e 55 anos, a fase de vida economicamente mais produtiva do indivíduo.

A enxaqueca afeta cerca de 20% das mulheres e é três vezes mais comum que nos homens. A dor de cabeça costuma ser forte, unilateral, de caráter latejante, com piora às atividades rotineiras, frequentemente associada a náuseas, intolerância à luz, som e odores. As crises habitualmente duram entre 4 e 72 horas.

Menstruação. Cerca de 50-60% das mulheres com enxaqueca apresentam crises durante a menstruação e isso está associado ao súbito declínio dos níveis do hormônio estrogênio nessa fase do ciclo menstrual. Além disso, até 20% das mulheres com enxaqueca tem crises somente no período perimenstrual. O primeiro dia antes da menstruação é o dia em que a mulher tem mais chance de ter uma crise. Um pouco mais de 15% das mulheres com enxaqueca tem sua primeira crise na época da sua primeira menstruação.

Pílula anticoncepcional. O uso de contraceptivos orais pode dificultar o controle das crises, e pílulas com menor concentração de estrogênio podem favorecer o controle, inclusive no caso da enxaqueca menstrual.

A mulher deve evitar o uso de pílula anticoncepcional com conteúdo de estrogênio, especialmente se tiver mais de 35 anos de idade, se for portadora de fatores de risco vascular (tabagismo, hipertensão arterial) ou se tiver história pessoal ou familiar de eventos vasculares (trombose). A Organização Mundial de Saúde (OMS) reconhece a enxaqueca com aura como categoria 4 na indicação do uso de pílula anticoncepcional com conteúdo de estrogênio, o que quer dizer que é uma condição de saúde em que os riscos do uso da pílula são inaceitáveis. Riscos, nesse caso, são os relacionados ao derrame cerebral.

O conceito de AURA é o de um aviso, um sinal de que uma crise de enxaqueca está por começar, mas também pode ocorrer já na fase da dor de cabeça. Entre 15 e 30% das pessoas que sofrem de enxaqueca podem experimentar o fenômeno, habitualmente como sintomas visuais (pontos luminosos, flashes em ziguezague, falhas no campo visual), geralmente durando menos de uma hora. A AURA pode se apresentar como formigamento de um lado do corpo, dificuldade para falar e raramente como perda de força de um lado do corpo. Algumas pessoas experimentam aura sem apresentar dor de cabeça.

Gravidez. Durante a gravidez, as crises costumam melhorar em 60-80% das mulheres. Deve-se evitar tratamentos profiláticos medicamentosos devido a potenciais consequências ao feto. Algumas medicações sintomáticas são contraindicadas na gravidez.

Uma série de estudos demonstra que mulheres com enxaqueca apresentam maior risco de apresentar hipertensão arterial na gravidez (pré-eclâmpsia) e bebês com baixo peso. Além disso, também é maior o risco de eventos vasculares nesse período entre as enxaquecosas, e aí podemos incluir derrame cerebral, infarto do coração e tromboembolismo pulmonar.

Lactação. Após o parto, as crises voltam a piorar em até 50% das mulheres no primeiro mês. Há evidências de que a amamentação confere proteção às crises nessa fase.

Menopausa.  Até 80% das mulheres apresentam melhora das crises de enxaqueca após a menopausa espontânea. Entretanto, por volta de 20% das mulheres começam a ter crises após os 50 anos, e raramente após os 60 anos. No caso da menopausa cirúrgica, há uma tendência de piora das crises de enxaqueca em dois terços das mulheres.

Já é consenso que a indicação de terapia de reposição hormonal [TRH] para a melhora de sinais e sintomas da menopausa deve ser restrita a mulheres com sintomas moderados a severos e utilizada pelo menor tempo e com mínimas doses possíveis. Essas recomendações são decorrentes do fato de que a TRH prolongada eleva o risco de câncer de mama, trombose nas veias e derrame cerebral. No caso da enxaqueca, mesmo a com aura, a TRH com doses baixas de estradiol pode ser considerada.

Enxaqueca tem cura?


Ouço frequentemente no consultório uma pergunta que costuma vir acompanhada de uma entonação pessimista: “Então doutor? Pelo jeito, enxaqueca não tem cura mesmo, não é?”  Cura? Vamos conversar melhor sobre esse assunto.

Os órgãos do nosso corpo apresentam um sistema de dor que nos serve como um alarme. No caso do cérebro de uma pessoa que tem enxaqueca, essa tarefa é realizada pelo nervo trigêmeo em conjunto com os vasos sanguíneos cerebrais que são capazes de disparar o fenômeno de dor. Essa é uma forma de entender a enxaqueca como um fenômeno de proteção do cérebro que nos avisa que algo não está bem. Tanto os neurônios como os vasos cerebrais estão envolvidos como principais protagonistas da enxaqueca, mas ainda há muito por se descobrir.

Podemos dizer que a pessoa que apresenta enxaqueca tem um cérebro que funciona um pouquinho diferente. É um cérebro que se excita com mais intensidade a diferentes estímulos externos, como é o caso da luminosidade e cheiros, ou a estímulos internos, como por exemplo, a privação de sono e o estresse psíquico. Sabemos que essa superexcitarão cerebral, condição determinada geneticamente, predispõe o indivíduo com enxaqueca à liberação de componentes neuroquímicos que podem desencadear a dor de cabeça.

Felizmente, a maioria das pessoas que tem enxaqueca apresenta crises mensais ou até menos do que isso. Quando as crises atingem uma frequência maior ou igual a três vezes por mês, ou uma frequência até menor, mas sem resposta satisfatória aos analgésicos, um tratamento profilático é indicado. Esse tratamento é feito através do uso diário de uma medicação independente da presença de dor e por um período de pelo menos seis meses.

Um tratamento de sucesso é aquele que consegue reduzir a intensidade e frequência das crises em pelo menos 75%. Pode-se perceber que a meta não é a cura, pois mesmo após o sucesso do tratamento, a pessoa pode continuar a apresentar crises esporádicas, especialmente quando enfrenta situações que já são reconhecidas como precipitantes de crises. Essas situações são muito individuais e, por isso, listas de proibições rígidas podem ser mais penosas do que benéficas ao paciente.

Enxaqueca não se cura, mas pode ser controlada. Parando para pensar, quais são as condições clínicas que realmente podem ser curadas? Talvez você não consiga enumerar mais exemplos do que o número de dedos que tem na sua mão.

Transtorno Generalizado de Ansiedade – TGA


O que é?

É uma condição psiquiátrica comum que afeta 4-7% da população. Caracteriza-se por um estado de preocupação crônica, exagerado e incontrolável associado a sintomas como agitação, tremores, suor, palpitações, fadiga, tensão muscular e dificuldades para dormir e se concentrar. É mais comum nas mulheres (7%) do que nos homens (4%) e a faixa etária mais acometida está entre os 45 e 59 anos. Fatores genéticos e ambientais estão envolvidos.

Como é feito o diagnóstico?

O diagnóstico é clínico e é feito quando os sintomas acontecem na maior parte do tempo, por pelo menos seis meses, em diferentes situações. É muito comum os pacientes darem mais atenção aos sintomas somáticos, o que leva à procura de várias especialidades médicas, o que muitas vezes dificulta o diagnóstico. Por outro lado, não se deve esquecer que condições clínicas, como o hipertiroidismo, devem ser descartadas, pois podem provocar sintomas comuns do TGA.

Além de concorrer com o bem-estar, quais são as outras repercussões desse problema?

O TGA traz prejuízos à vida social, familiar e profissional. Um estudo chegou a demonstrar que quase 40% daqueles que sofrem desse transtorno perdem seis dias por mês de trabalho, por absenteísmo ou por ineficiência mesmo. Além disso, algumas condições psiquiátricas são mais comuns em quem apresenta TGA, as chamadas comorbidades. Até 60% podem apresentar também depressão, quase 40% consomem álcool em excesso, e uns 30% têm transtorno de ansiedade social. Doenças cardíacas, respiratórias e endocrinológicas também são mais comuns em quem sofre com TGA.

Quais são as opções de tratamento?

Psicoterapia é uma das melhores armas contra o TGA, e a mais estudada é a cognitivo-comportamental. Essa técnica envolve a terapia cognitiva que promove um alinhamento das crenças do paciente à realidade, corrigindo distorções, junto à terapia comportamental, que irá promover o enfrentamento ou evitação de situações críticas.

Vários outros métodos de psicoterapia podem ser eficazes. Além disso, atividade física regular, higiene do sono, meditação e até os livros de autoajuda podem fazer a diferença.

Quando é que as medicações são necessárias?

As medicações passam a ser imprescindíveis quando o TGA passa interferir de forma significativa na vida profissional ou escolar, na vida familiar ou social. As medicações mais indicadas são os antidepressivos como a sertralina que devem ser usadas por um ano em média. Os benzodiazepínicos geralmente são usados para crises de ansiedade ou nos primeiros 30 dias de tratamento, período em que o antidepressivo ainda não alcançou seu efeito pleno.

É recomendável evitar uso de nicotina e o excesso de álcool e cafeína.

Será que a flora intestinal pode regular nosso bem estar mental?


Muitas companhias de alimentos probióticos vendem a ideia de que cultivar no intestino as bactérias certas pode ser meio caminho andado para nosso bem-estar mental.  Os cientistas eram muito céticos quanto a essa possível influência, mas hoje chegam a chamar o intestino de “segundo cérebro”.

A comunicação entre o cérebro e o sistema digestivo é conhecida há muito tempo, especialmente no que tange a influência de “cima para baixo”. Expressões como frio na barriga dizem muito sobre isso. O cérebro regula o sistema digestivo através do sistema nervoso autônomo, composto pelos sistemas simpático e parassimpático.  São eles que controlam nossos batimentos cardíacos, a respiração e a digestão.  A rede de neurônios do sistema digestivo é tão robusta que até funcionaria sem o cérebro, mas é bem mais inteligente com as comunicações de cima para baixo e de baixo para cima.

Além das fiações que ligam o cérebro ao sistema digestivo, também é bem reconhecida a influência dos hormônios e mais recentemente a flora intestinal. As bactérias do intestino podem ter influência em condições clínicas como a depressão, ansiedade e o autismo, e uma das formas de entender essa relação é o fato de que algumas bactérias são produtoras de neurotransmissores como o GABA.  E parece que o contato com bactérias durante o nascimento já faz alguma diferença. Ratinhos que nascem por parto cesárea têm mais comportamentos de ansiedade e depressão do que os nascidos por parto vaginal.

Uma pesquisa mostrou que um modelo de ratinho de comportamento ansioso e antissocial apresentava menores níveis de uma bactéria frequentemente encontrada na flora intestinal, Bacterioidis fragilis. Os pesquisadores reverteram esse comportamento dos ratinhos ao alimentarem os mesmos com a bactéria.  Eles também demonstraram que os ratinhos estressados tinham uma maior concentração no sangue de um metabólito bacteriano (4EPS) e que a injeção desse metabólito em ratinhos normais provocava o comportamento alterado.

As possibilidades de associação da flora intestinal com algumas doenças neuropsiquiátricas estão só engatinhando. Não podemos dizer muita coisa ainda, mas a neurociência está de olho.

Check-up cerebral. Quando é que isso faz sentido?


Ouço às vezes no consultório jovens dizendo coisas do tipo: “Já fiz check-up com o cardio, com o gastro, agora só falta o neuro”.  Mas afinal, que tipo de check-up as pessoas realmente devem fazer? Vale a pena fazer um check up neurológico?

Elenco a seguir três questões que frequentemente despertam a vontade de fazer um check-up neurológico.

Testes genéticos que podem demonstrar uma maior chance de desenvolver doença de Alzheimer no futuro?

Alguns genes estão associados a um maior risco de desenvolver a doença de Alzheimer, mas nem por isso faz sentido realizar testes genéticos para sabermos se nosso risco é um pouco maior do que o de outras pessoas. Os resultados não vão mudar em nada as orientações para prevenção da doença.  Esse tipo de teste ainda só é recomendado para fins de pesquisa.

Todo mundo poderia fazer exame para descartar aneurisma cerebral? Qual é o custo benefício?

Atualmente recomenda-se que indivíduos com dois ou mais parentes de primeiro grau que apresentam aneurismas cerebrais confirmados devam ser investigados, pois são esses que apresentam um risco significativamente aumentado – 50 vezes maior. Entretanto, a relação custo-benefício muda de acordo com o nível de medo que cada indivíduo tem de apresentar um aneurisma cerebral. Em algumas situações, quando a apreensão é muito grande, pode valer a pena fazer uma investigação mesmo que o indivíduo não tenha qualquer antecedente familiar.

Para a prevenção de derrame cerebral, o estudo das carótidas vale a pena?

Placas de aterosclerose das artérias carótidas são a principal fonte de derrame cerebral e a recomendação atual é que o estudo dessas artérias deve ser feito naquelas pessoas que tem pelo menos dois fatores de risco para derrame cerebral (hipertensão arterial, diabetes, tabagismo, dislipidemia, síndrome metabólica).

Resultados falso-positivos levam à ansiedade, novos exames que não raramente são invasivos e, por vezes, até cirurgias desnecessárias. A isso se dá o nome de iatrogenia que é a contramão do que o pai da medicina Hipócrates deixou como princípio ético – primum non nocere (em primeiro lugar, não fazer mal). Check-ups para pessoas assintomáticas só devem ser realizados quando existem evidências de que os benefícios são maiores que os danos. Isso não quer dizer que as pessoas devem deixar de ir ao médico ou ao dentista pelo menos uma vez ao ano, especialmente após os 40 anos.

Nos tempos de hoje, os médicos já não precisam cuidar só dos doentes, mas também das pessoas saudáveis. Estamos sempre vulneráveis a sermos rotulados como portadores de alguma disfunção ou transtorno.

Divirta-se a valer. Seu cérebro agradece


No contexto da evolução das espécies, o ser humano pode ser considerado um recém-nascido. Os mamíferos apareceram há 225 milhões de anos, os primatas há 65 milhões, e os ancestrais hominídeos apareceram há cinco milhões de anos. Alguns podem achar cinco milhões de anos muito tempo, mas pode ser interessante lembrar que nosso código genético, que é como se fosse um texto composto por três bilhões de letras, é idêntico ao de um chimpanzé em 98,5% do seu conteúdo.

 

A população mundial está envelhecendo, e isso é explicado em parte pelos grandes avanços da ciência nas últimas décadas. A expectativa de vida do Australopitecus há quatro milhões de anos era de apenas 15 anos, 25 anos para europeus na Idade Média, cerca de 40 anos no século XIX, 55 anos no início do século XX, e atualmente, em muitos países, a expectativa de vida já é maior que 75 anos de idade. Como podemos perceber, nossos ancestrais não envelheciam e toda a programação genética estava concentrada em oferecer condições para que o indivíduo conseguisse se reproduzir e perpetuar a espécie.

 

Nossa grande longevidade é um fenômeno bem recente, e não houve tempo de nos adaptarmos geneticamente a esse novo cenário. Essa é uma forma importante de entender o porquê das doenças degenerativas. Mas vamos deixar de lado as doenças, e focar no nosso envelhecimento normal.

 

Temos inúmeras evidências do declínio funcional de nosso organismo em idades mais avançadas. O impacto no sistema nervoso é significativo, pois é este sistema que permeia toda nossa interação com o mundo à nossa volta (e.g.; órgãos dos sentidos, respostas motoras, emoção), também chamada Vida de Relação. Talvez seja também o sistema cuja perda de funções seja mais temida por nós. O próprio conceito de envelhecimento da Organização Mundial de Saúde reflete sobremaneira a dimensão de perdas do sistema nervoso: redução da adaptabilidade a estímulos sensoriais.

 

Já se conhece bastante sobre as alterações cerebrais morfológicas e fisiológicas associadas ao processo de envelhecimento normal. Por volta dos 15 anos de idade nosso encéfalo alcança seu maior peso (~ 1350g), com uma perda de cerca de 1,5% desse peso a cada década.  Essa redução se dá muito mais por redução do tamanho dos neurônios do que por destruição dos mesmos. Paralelamente, há uma redução no número de conexões entre os neurônios e significativo acúmulo de substâncias associadas ao envelhecimento que dificultam o pleno funcionamento cerebral.

 

Do ponto de vista funcional, essas alterações estruturais só começam a ter impacto após a sexta década de vida. Em média, só a partir dos 60 anos é possível confirmar declínio de capacidades psicométricas, com exceção da fluência verbal que declina levemente já na quinta década de vida. O declínio dessas capacidades é muito modesto até os 80 anos, quando se torna mais acentuado em pelo menos 50% dos indivíduos.

 

Um conceito fundamental para entendermos melhor como investir bem em nosso cérebro é o conceito de Reserva Cerebral. Se o nosso cérebro tem uma tendência natural a perder um pouco de seu desempenho em idades mais avançadas, quanto mais conexões formarmos no decorrer da vida, quanto mais aumentarmos nosso repertório, menor a chance de que pequenas perdas estruturais tenham repercussão funcional. E o que dirá quando o indivíduo apresenta doença cerebral como a Doença de Alzheimer? Maiores reservas fazem com que mais tempo de doença seja necessário para que ela se manifeste clinicamente. Ou seja, quanto maior a reserva, mais tempo o cérebro mantém seu funcionamento normal, mesmo que ele esteja doente. E isso já foi demonstrado em inúmeros estudos.

 

O status socioeconômico e educacional é sem sombra de dúvidas um dos pilares mais fortes de nossa Reserva Cerebral, sendo que quanto maior esse status, maior a reserva. Até mesmo a época em que nascemos faz diferença, sendo que indivíduos que nasceram e cresceram em épocas mais recentes apresentam melhor desempenho cognitivo do que suas gerações anteriores. Um dos estudos que bem ilustra esse efeito é o Nun Study que analisou o repertório linguístico do diário de freiras quando jovens. Os diários que receberam maior pontuação foram de freiras que apresentaram melhor desempenho em testes cognitivos quando idosas, menor risco de demência e maior longevidade.

 

Estudos bem recentes demonstram que o cérebro do idoso ao ser treinado responde com melhora de desempenho nas habilidades ensinadas. Tais treinamentos foram realizados com exercícios para estimulação da memória, resolução de problemas, velocidade de processamento, alguns deles por meio de sofisticados softwares. Entretanto, parece que atitudes mais instintivas e artesanais podem ter efeito também bastante significativo: a atividade de lazer é um exemplo.

 

Há cerca de uma década, repetidos estudos vêm demonstrando que lazer é coisa séria, e é um hábito que está associado a um menor risco de desenvolver demência. A explicação reside no fato de que o lazer também é capaz de treinar nossos cérebros, aumentando nossa Reserva Cerebral. O interessante é que algumas atividades de lazer parecem ser mais positivas do que outras. Estudos realizados na cidade de Nova York revelaram que as atividades mais “protetoras” foram leitura, palavras cruzadas, jogos de tabuleiro, passeios turísticos, visitas a amigos e parentes, idas ao cinema, restaurante ou a evento esportivo, tocar instrumento musical.

 

Bastante provocador foi o resultado de um estudo semelhante realizado na China e publicado em 2006 confirmando que leitura e jogos de tabuleiro estavam associados a menor declínio cerebral após os 55 anos de idade. Entretanto, indivíduos com mais horas dedicadas à televisão apresentaram mais chance de declínio cognitivo e menor dedicação a outras atividades de lazer. Discute-se o fato de que muito daquilo que o indivíduo vê na TV demanda reduzidos níveis de atividade cognitiva. Isso não quer dizer que um maior tempo de TV causa declínio cognitivo, mas também pode ser a consequência de um estado pré-clínico de déficit cognitivo com redução do interesse por outras atividades.

 

De qualquer forma, precisamos estar atentos em estimular os nossos jovens a desenvolver um repertório amplo de atividades de lazer “inteligentes”, pois os hábitos são mais fáceis de serem adquiridos quando iniciados em fases mais precoces da vida. Quanto aos nossos idosos, atenção redobrada. Podemos começar por melhor conhecer e demandar aquilo que está escrito no Estatuto do Idoso, em vigor em nosso país desde 2003:

 

Art. 3º – É obrigação da família, da comunidade, da sociedade e do Poder Público assegurar ao idoso, com absoluta prioridade, a efetivação do direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, à cultura, ao esporte, ao lazer, ao trabalho, à cidadania, à liberdade, à dignidade, ao respeito e à convivência familiar e comunitária.

 

Art. 21º – O Poder Público criará oportunidades de acesso do idoso à educação, adequando currículos, metodologias e material didático aos programas educacionais a ele destinados.

 

Art. 24º – Os meios de comunicação manterão espaços ou horários especiais voltados aos idosos, com finalidade informativa, educativa, artística e cultural e ao público sobre o processo de envelhecimento.
Os Titãs não estavam falando em luxo com: “A gente não quer só comida, a gente quer comida, diversão e arte”.

Existem alimentos que realmente podem melhorar o desempenho cerebral?


A teoria da evolução defende a tese que nós humanos chegamos até aqui com o cérebro que temos, pelo menos em parte, graças ao nosso padrão de alimentação.  Há uma série de evidências paleontológicas que nos aponta que existe uma relação direta entre acesso ao alimento e tamanho do cérebro, e que mesmo pequenas diferenças nesse acesso podem influenciar a chance de sobrevivência e o sucesso reprodutivo. Entre os hominídeos, pesquisas mostram que o tamanho do cérebro está associado a diversos fatores que em última instância refletem o sucesso em se alimentar como é o caso da capacidade de preparar alimentos, estratégias para poupança de energia, postura bípede e habilidade em correr.

O consumo de ácidos graxos da família Ômega 3 é a mais estudada interação entre alimento e a evolução das espécies. O ácido docosahexanóico (DHA) pode ser considerado o ácido graxo mais importante para o cérebro, já que é o mais abundante nas membranas das células cerebrais e são considerados essenciais por não serem produzidos pelo organismo humano, que precisa obtê-los por meio de dieta. Acredita-se que o consumo de Ômega 3 teria sido fundamental para o processo de aumento na relação peso cérebro/ peso corpo, fenômeno conhecido como encefalização, ou seja, aumento progressivo do tamanho do cérebro em relação ao corpo ao longo do processo evolutivo. Estudos arqueológicos apoiam essa hipótese, já que esse processo de encefalização não ocorreu enquanto os hominídeos não se adaptaram ao consumo de peixe.

A crescente oferta de alimentos ricos em gorduras saturadas e gorduras trans, que por sinal não são nada saudáveis, vem acompanhada de uma redução no consumo de Ômega 3 no mundo ocidental contemporâneo. Pesquisas apontam que a deficiência de Ômega 3 está associada a uma série de transtornos neuropsiquiátricos, como é o caso da depressão e transtorno bipolar, esquizofrenia, transtorno de déficit de atenção e dislexia.

Ao contrário, já foi demonstrado que dietas ricas em Ômega 3, ou até mesmo na forma de suplementos alimentares, são capazes de melhorar o aprendizado e memória de crianças, e ainda reduzem o risco de desenvolver depressão e demência. Além disso, há estudos que demonstram que o consumo de gorduras saturadas e trans está associado a um pior desempenho cognitivo. Atualmente, a Associação Americana de Psiquiatria reconhece a importância do Ômega 3 no tratamento de transtornos de humor da mesma forma que a American Heart Association recomenda o consumo de peixes ricos em Ômega 3 (salmão, sardinha e atum) pelo menos duas vezes por semana para prevenção de doenças cardiovasculares.

Nos últimos anos podemos observar uma série de evidências de que outros tipos de alimentos podem fazer diferença no funcionamento do nosso cérebro. Várias desses benefícios ao cérebro foram demonstrados apenas em animais, como é o caso da curcumina encontrada no tempero curry e o famoso Ginkgo biloba.

Os alimentos cafeinados, além de poderem aumentar o desempenho psicomotor, estado de vigília, atenção e humor, têm-se mostrado cada vez mais poderosos na prevenção de doenças neurodegenerativas e cardiovasculares. Outros nutrientes até já tiveram efeitos positivos demonstrados em estudos clínicos, especialmente os oligoelementos como as vitaminas e sais minerais na prevenção do declínio cognitivo ao longo do envelhecimento cerebral. Entretanto, tais estudos ainda não são conclusivos ao ponto de se poder recomendar a suplementação de pílulas de vitaminas para o cérebro. O grande negócio ainda é uma dieta equilibrada que contemple todas as famílias de nutrientes que precisamos.

E para ficar com o cérebro “sarado”, manter o peso em dia é uma ótima receita, já que a obesidade está associada a um pior desempenho cognitivo. A razão? Uma série de hormônios associados ao sistema digestivo e ao nosso metabolismo (ex: insulina, leptina, grelina) influenciam também a função cerebral.

Se quisermos juntar tudo que sabemos hoje sobre o que os alimentos têm a oferecer ao nosso cérebro num pacote só, adotar a Dieta Mediterrânea pode ser uma atitude bastante acertada, já que une as virtudes do Ômega 3 dos peixes e do azeite, o poder antioxidante do vinho tinto, das frutas, verduras e cereais integrais, e o baixo consumo de gordura saturada pela pequena ingesta de carnes e laticínios. Seria ainda muito bem vindo nesse pacote o chá verde, o café e o chocolate amargo.

Uma recente metanálise analisou os efeitos da Dieta Mediterrânea e demonstrou:

 – redução da mortalidade geral em 9%

 – redução da mortalidade por doenças cardiovasculares em 9%

– redução da mortalidade por câncer em 6%

– redução da incidência de Doença de Parkinson em 13%

– redução da incidência de Doença de Alzheimer em 13%

Que tal?

Pílulas para turbinar o cérebro. Onde estamos e onde podemos chegar?


Já existem no mercado diferentes medicações que têm o poder de melhorar o desempenho de memória e concentração, e os médicos costumam prescrevê-las a pacientes com disfunções neuropsiquiátricas. Entretanto, nos últimos tempos podemos perceber que a prescrição dessas medicações tem sido estendida a outras situações, como é o caso de indivíduos que trabalham em turnos noturnos, militares, e até mesmo a pessoas que simplesmente querem “turbinar” o cérebro para o trabalho, com a intenção de melhorar a atenção e a memória.

Onde é que vamos chegar com isso? Além dos prós e contras dessas medicações sobre nossa saúde no longo prazo, certamente há uma grande questão ética a ser discutida. Tais medicações têm sido cada vez mais usadas em todo o mundo, cada vez em idades mais precoces. Uma recente enquete realizada pela revista britânica Nature envolvendo 1400 leitores (cientistas e estudantes) de 60 diferentes países revelou que 20% das pessoas que responderam à pesquisa já tinham usado medicações com a intenção de melhorar o desempenho cerebral por razões não médicas, 25% desses com consumo diário. O uso não foi diferente entre as diversas faixas etárias, sendo que 50% das pessoas queixaram-se de efeitos colaterais e um terço das pessoas adquiriam as medicações pela internet, sem necessidade de receita médica. Para se ter ideia da complexidade da discussão vejam o que um cientista americano de 66 anos de idade respondeu à pesquisa: “Como cientista, é minha missão usar todas as ferramentas ao meu alcance para o benefício da humanidade. Se essas drogas podem contribuir para esse fim, então é minha tarefa usá-las.”

No consultório de neurologia, frequentemente atendo pessoas querendo uma medicação para esse fim. Recentemente uma paciente que fazia curso preparatório para concurso público disse que o próprio professor, um juiz federal, a orientou a procurar um neurologista com o seguinte apelo: “já existem medicações que podem melhorar seu desempenho”. Posições radicais como “Oh, que horror!” não costumam colaborar muito. É hora sim de aprofundarmos essa discussão com a participação de diversas áreas do conhecimento.

Já existem medicações que permitem que o indivíduo fique até três dias sem dormir e “disposto”, e pouco conhecemos sobre seus efeitos a médio e longo prazo. Será que chegaremos ao ponto de criar políticas antidoping no caso de concursos públicos? Chegaremos a viver numa sociedade que não relaxa e não dorme, já que as vantagens evolutivas da nossa tão falada sociedade da informação são muito mais cerebrais do que musculares e sexuais? Será que os pais ao verem inúmeros colegas de seus filhos usando medicações para o vestibular vão deixar de usar tais hipotéticas armas de competição? É difícil alguém se imaginar cometendo um neurodoping ao consumir 10 xícaras de café por dia nos meses que antecedem um concurso. Com pílulas deveria ser diferente? Será que essas pílulas poderiam nos oferecer mais do que uns cafezinhos durante o dia? Um indivíduo nascido rico e com boa nutrição no seu desenvolvimento tem inequívocas vantagens competitivas do ponto de vista cerebral quando comparado a outro que passou a infância desnutrido. “Medicações espertas” podem um dia contribuir para reduzir as consequências das desigualdades sociais?

A ciência tem muito que investir na avaliação do custo-benefício dessas drogas neuromoduladoras em indivíduos sem queixas ou diagnósticos neuropsiquiátricos. Já existem estudos sendo conduzidos ao redor do mundo, inclusive no Brasil, buscando saber se o uso de antidepressivos usados por indivíduos saudáveis não poderiam deixá-los melhores ainda. Ainda sabemos pouco. E quem disse que as pílulas têm mais poder de provocar alto desempenho cerebral do que uma vida saudável com tudo aquilo que sabemos que faz bem ao cérebro: educação, alimentação e sono adequados, atividade física, equilíbrio emocional, etc. Minha aposta é que as pílulas não ganham a disputa.

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