Crescimento pós-traumático: quando as adversidades podem nos fazer melhores

Por Dr. Ricardo Teixeira*

Você já ouviu falar na arte centenária Japonesa Kintsugi? Quando um vaso é quebrado, não se esconde os cacos nem os joga fora. O vaso é reconstruído com uma técnica que usa uma liga de pó de ouro, prata ou platina. Ele continuará belo e com sua cicatriz da história.

Todos estamos hoje inseguros sobre o futuro. Vamos no reerguer com dignidade? Estou falando de todas as crises que vivemos, incluindo, é claro, a sanitária e política. Temos ouvido muito a frase otimista: “Tenha força! Isto vai passar!” Acho ela bem realista, pois a história é como a natureza: não existe montanha sem vale. Subimos e descemos e esse ciclo não para nunca.

Nossa imensa capacidade de crescer existe mesmo em situações calamitosas. Estudos nos mostram que a maioria das pessoas que atravessam uma situação traumática não desenvolve sintomas da condição psiquiátrica conhecida por estresse pós traumático, enquanto uma grande parcela percebe crescimento pessoal após a experiência, algo que tem sido chamado de crescimento pós-traumático e que sensibiliza pelo menos sete dimensões da experiência humana:  

– Maior apreciação da vida;

– Reforço das relações interpessoais próximas;

– Maior compaixão e altruísmo;

– Identificação de novos caminhos e de um sentido na vida;

– Maior consciência na utilização das forças pessoais;

– Desenvolvimento espiritual;

– Crescimento criativo.

Esse crescimento pós-traumático é maior entre aqueles que não escondem os cacos do vaso quebrado, mas que refletem conscientemente, sem ruminação, sobre como reconstruir o vaso. Uma ferramenta preciosa que catalisa esse processo é a arte. Além disso, o hábito diário de escrever, durante e após um evento traumático, sobre temas que influenciam fortemente as emoções pode ter grande impacto positivo. 

O psiquiatra austríaco e sobrevivente do Holocausto Viktor Frankl disse: “A vida não deixa de ser suportável por conta das circunstâncias, mas quando ela deixa de fazer sentido”.

Para a maioria das pessoas, ser feliz e ter uma vida com significado são dois objetivos importantes e também correlacionados. Percepção de felicidade e de sentido na vida às vezes não andam juntas.

Pesquisas apontam que a percepção de felicidade está associada a uma vida sem problemas, prazerosa, com boa saúde. Porém, esses fatores não guardam relação com o senso de sentido na vida.  Convívio com amigos e ter dinheiro para as necessidades e desejos têm boa relação com a percepção de felicidade, mas fazem pouca diferença no sentido na vida.  Por outro lado, o tempo ao lado do companheiro ou companheira faz diferença.

Um estudo realizado em diferentes países mostrou que nos países ricos as pessoas tendem a ser mais felizes, mas não veem mais sentido na vida.  Na verdade, as pessoas de países mais pobres enxergam mais sentido na vida.  Isso pode estar associado a uma maior religiosidade e maiores conexões sociais entre os moradores de países mais pobres.  Ao invés de dizer que dinheiro não compra felicidade, talvez seja melhor dizer que dinheiro não compra sentido na vida.

Muitas das coisas que fazemos no dia a dia não aumentam nossa percepção do quanto nos sentimos felizes, mas podem nos fazer sentir com a vida com mais sentido.  Atividades que exigem esforço e sacrifício costumam alimentar nossa percepção de sentido na vida.

E então? Vai querer ser só feliz?

* Dr. Ricardo Teixeira é neurologista e Diretor Clínico do Instituto do
Cérebro de Brasília

 
 

Instabilidade financeira afeta o funcionamento cerebral entre adultos jovens

Uma pesquisa que acaba de ser publicada pelo jornal Neurology da Academia Americana de Neurologia mostra que os jovens que passam por redução de ganhos financeiros anuais maior que 25% têm um cérebro menos afiado ainda na meia idade.

O estudo envolveu mais de três mil jovens americanos com idades entre 23 e 35 anos que foram acompanhados por 20 anos. O grupo de jovens que apresentou dois ou mais períodos de queda dos proventos (>25%) apresentavam menor desempenho nos testes cognitivos mesmo quando se ajustava fatores como escolaridade, atividade física, tabagismo e hipertensão arterial. Cerca de 700 voluntários também foram submetidos a exames de neuroimagem no início do estudo e 20 anos depois. Aqueles com maior instabilidade financeira tiveram maior redução do volume cerebral e uma piora do padrão de conectividade entre as diversas regiões cerebrais.

São várias explicações possíveis para esses achados. As reduções de proventos podem dificultar o acesso à assistência médica e consequente déficit de tratamento de problemas de saúde. Estudos anteriores mostram que condições financeiras desfavoráveis aumentam o risco de doenças como depressão, ansiedade, obesidade, hipertensão arterial, que por si só já estão associados a um menor desempenho cognitivo. A instabilidade financeira pode reduzir as oportunidades de estímulos cerebrais saudáveis como incrementos na educação formal, um trabalho desafiador, atividade física, lazer, etc.

Os autores nos lembram de que políticas que minimizam esses altos e baixos de rendimentos, como seguro desemprego, podem favorecer a saúde cerebral da população. Mais de um terço dos lares americanos apresentou redução dos proventos maior que 25% entre os anos de 2014 e 2015.  

 

Por Dr. Ricardo Teixeira

 

 
natureza trabalho saúde mental

Oito horas de trabalho por semana é o que precisamos para nossa saúde mental

Um dia desses conheci uma senhora que perdeu o emprego para um robô. Isso já está acontecendo. Ela fazia serviços de limpeza em um shopping e descreveu as habilidades da máquina para fazer o mesmo serviço. O robô jogava o produto de limpeza no chão, esfregava e depois secava.

Com o crescente desenvolvimento nas próximas décadas da inteligência artificial e da robótica, já é esperado que o trabalho fique cada vez mais escasso e já se discute como será essa adaptação. O velho modelo de 40 horas de trabalho semanal não será mais viável. O trabalho precisará ser redistribuído.

O impacto positivo do trabalho na vida das pessoas vai além do fator econômico. Estamos falando de incremento na autoestima e socialização. A ciência busca medir a dose recomendável de muitas coisas do nosso dia a dia, como sono e atividade física, mas agora, pesquisadores ingleses das Universidades de Cambridge e Salford identificaram uma dose ideal de trabalho que promova o bem-estar psíquico. A pesquisa foi publicada recentemente no periódico Social Science and Medicine e mostrou que oito horas de trabalho por semana é um número que já produz os efeitos psicológicos positivos apontados acima. Oito horas é melhor do que quatro, melhor do que estar desempregado e mais do que oito horas não trazem ganhos psicológicos e maior satisfação com a vida.

A pesquisa incluiu 70 mil ingleses com idades entre 16 e 64 anos e que foram acompanhados por uma década. Os autores do estudo acreditam que em uma década a semana de trabalho dos ingleses deverá ser reduzida para quatro dias e dão sugestões para esse futuro que já não está distante:

– finais de semana de cinco dias;

– poucas horas de trabalho por dia;

– férias de meses de duração ou dois meses de férias a cada mês trabalhado.

Que tal?


Por Dr. Ricardo Teixeira

 

 

Qual a cor da sua inveja? Branca ou marrom?

Situações competitivas podem gerar sentimentos positivos de identificação com outros membros do grupo capazes de gerar alianças, mas podem também estimular sentimentos como a inveja e até mesmo satisfação com o infortúnio dos outros. O filósofo alemão Arthur Schopenhauer dizia que sentir inveja é humano, gozar do infortúnio dos outros é diabólico.

Atualmente reconhece-se que há dois tipos de inveja: uma benigna e outra maliciosa. No caso da inveja benigna, o que é invejado é uma coisa, como o carrão novo do vizinho. Essa inveja também é conhecida como inveja branca. No caso da inveja maliciosa, a inveja é de uma pessoa e não da coisa em si. Essa é a inveja marrom.

Temos evidências de que quando a inveja é mais focada na pessoa do que na coisa, ela vem frequentemente acompanhada do sentimento que a língua alemã chama de “schadenfreude” – prazer pelo infortúnio dos outros. Nesse caso, a depender da situação, há uma forte presença de desumanização, rivalidade ou senso de justiça social.

Já foi demonstrado que algumas regiões cerebrais são fortemente envolvidas no processamento desses sentimentos. Pesquisadores israelenses da Universidade de Haifa mostraram que indivíduos que apresentam lesões cerebrais nas regiões frontal e parietal têm reduzida capacidade de sentir inveja ou prazer com o infortúnio alheio em testes psicológicos que simulam esses sentimentos.

Pesquisadores japoneses apontaram que as mesmas áreas cerebrais ativadas no processo de dor física são ativadas também em testes psicológicos que envolvem a “dor” de assistir o sucesso do outro. Mostraram ainda que testes psicológicos que envolvem a percepção do infortúnio alheio ativam o mesmo circuito de recompensa cerebral que é ativado quando experimentamos situações prazerosas como comer uma barra de chocolate. Ambientes de trabalho competitivos são palcos propícios para a expressão desses sentimentos que podem ser vistos como o “dark side” da experiência humana. Uma dica valiosa para um líder de equipe é priorizar incentivos para o grupo e não para os indivíduos isoladamente.

O comportamento animal é recheado de atributos competitivos como a disputa por território, parceiros sexuais e alimentos. A neurociência tem-nos mostrado que não somos tão diferentes assim e cada um de nós carrega diferentes graus desses instintos arcaicos. Desde que bem dosados, ciúme, interesse pela vida alheia, inveja e prazer com o infortúnio dos outros, não devem ser vistos como sentimentos que devem ser reprimidos a todo custo. Todos eles fazem parte de um grande repertório que colaborou sobremaneira para o sucesso da espécie, e ainda deve colaborar em certo grau.

Por Dr. Ricardo Teixeira

 

 

Conheça os cães doutores. Eles percebem doenças só pelo cheiro

O reconhecimento de odores específicos exalados por pessoas que sofrem de uma determinada doença é descrito desde a época de Hipócrates na Grécia antiga. Eu mesmo tive a sorte e a honra de ter sido aluno na graduação em medicina na UNB do incrível Sir Philip Davis Marsden e, na beira do leito, ele me pedia para cheirar os pacientes e dar minha impressão. E o Sir aqui é Sir mesmo: Cavaleiro de sua Majestade, honraria concedida pela Rainha da Inglaterra pelo conjunto de sua obra.

Condições clínicas como diabetes descompensado, insuficiência renal ou hepática não eram difíceis de serem identificados pelo cheiro, mas muitos diagnósticos, especialmente os infecciosos, só mesmo o Sir Philip Marsden e, muito provavelmente, os cães. Cães?

Cães treinados para identificação de odores exalados por indivíduos nas fases precoces de doenças têm mostrado resultados positivos em alguns tipos de câncer. O exame de sangue oculto nas fezes é capaz de detectar câncer colorretal em 44% dos pacientes, mas os cães o detectam pelo cheiro da respiração do paciente em 91% dos casos. Componentes voláteis numa série de doenças têm sido isolados e, no futuro, “narizes eletrônicos” poderão fazer parte dos check-ups médicos. O interessante é que esses narizes eletrônicos não chegaram perto ainda da sensibilidade do olfato canino. Enquanto a tecnologia só funciona com uma concentração mínima de componentes voláteis da ordem de 100 a 400, os cães só precisam de 0.001.

E os cães não param de marcar golaços. Há poucos dias, a revista Scientific Reports publicou os resultados de uma pesquisa que mostrou que cães treinados a sentir o odor de pacientes portadores de epilepsia são capazes de identificar o “cheiro de crise” de outros portadores de epilepsia totalmente novos para os cães. E essa capacidade de identificação foi demostrada em nada mais, nada menos, que 100 % dos cães envolvidos no estudo. Dentre os estudos de identificação de doenças por cães, esse foi o que teve resultados mais espetaculares.

A pesquisa não foi feita para demonstrar antecipação de crises, mas estudos mais frágeis já demonstraram essa capacidade dos cães, não só em crises epilépticas, como também na enxaqueca. O fato é que os resultados deixam claro que existe sim um odor característico associado a crises epilépticas e novos estudos serão feitos para identificar que componente é esse e se os cães são capazes de percebê-los antes das crises se instalarem.

 
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